quinta-feira, março 16, 2006

Vou contar-vos uma coisa

Primeiro que tudo, deixem-me dizer-vos uma coisa. Há uma coisa que não me sai da cabeça e essa é o meu cabelo, porque eu não o posso rapar por causa das minhas orelhas de abano. Na escola eu era conhecido pelo Taxi de portas abertas. Se fosse chinês seria um taxi novaiorquino, se eu fosse angolano e tivesse sempre a limpar o nariz ranhoso com as mãos, seria um taxi português (dos antigos, e dos novos). Era uma coisa que me aborrecia. Mas há uma coisa que me aborrece mais. O prezado leitor por certo não sentirá empatia comigo neste meu problema. Se porventura estiver, por motivos profissionais, obrigado a escutar palestras, tal como eu, então muito provavelmente, também se sentirá aborrecido com esta coisa. É que o prelector, seja qual for o seu grau de diferenciação (normalmente é baixo), gosta de abusar da expressão "Como todos já sabem". Porra! e não é que na maioria das vezes eu não faço ideia do que eles estão a falar. Sinto-me mesmo burro. Tento percorrer com o olhar o resto da assistência para ver se descortino algo parecido com, ou que possa ser interpretado como, sinal de interrogação intelectual, que eu baptizei de soluço intelectual (como um revirar de olhos, ou um esfregar do cocoruto, ou até um franzir de sobrolho, ou um sacar de um livro de bolso, daqueles do reader´s digest que condensa toda a informação e sabedoria do universo) mas em vão. O meu olhar aflito apenas encontra serenidade e sonolência nos rostos impávidos dos auscultores serenos. Não há traços de soluços intelectuais.
Recosto-me na cadeira, coço o cocoruto e olho novamente para a projecção mas no segundo que vou atentar à locução do prelector, escuto, com assombro novamente a expressão maldita. Dou comigo a entrar novamente no ciclo aflitivo e angustiante da prospecção de rostos.
Resumindo e concluindo, este ciclo repete-se incessantemente até ao final da apresentação. Da qual, logicamente e por culpa deste ciclo maldito, não retive nada.
Deve ser essa a razão pela qual na apresentação seguinte, quando o prelector profere o "como todos já sabem", todos sabem o que foi falado antes, mas eu não. Só gostava de saber como tudo começou, onde é que esta gente soube aquelas coisas que eu na primeira apresentação não sabia.
Pelo sim pelo não, vou encomendar o tal livro da reader´s digest.

5 comentários:

Anónimo disse...

Ex.mo Sr.,

Entristece-me sabê-lo tão alheado das palestras, porque Sua Excelência é o Futuro. Os dadores de palestras são o Passado. O Futuro tem de ouvir o Passado senão os erros repetem-se continuadamente, e continuadamente e continuadamente - veja-se o "Retour" de Cavaco Silva à cena política. Esse, sim, deveria ser o tema do seu blogue, pois dessa forma daria jús (ou "pús" como já algures aqui li) ao nome do seu blogue, nomeadamente "Les Jours Tristes".

Respondendo aos outros tópicos da sua missiva:

1. a "coisa" que tem na cabeça, i.e. o cabelo, deve ser prezada a todo o custo pois de um dia para o outro acorda e já não o verá em lado nenhum e começará a constatar que à sua volta se ouvem vozes a sussurrar "careca"... -- aliás, da mesma forma, deverá ter atenção à Sua linha física, porque (embora a Sua elegância seja reconhecida) também de um dia para o outro Sua Excelência se pode aperceber de vozes a sussurrar as palavras "qué gordo..." após a sua passagem.

2. Devo elucidá-lo que quando um Dissertador diz "Como todos já sabem..." significa que aquilo que ele vai dizer de seguida ele próprio só descobriu muito recentemente (para não dizer na véspera ou mesmo uma hora antes da palestra ou até mesmo durante a palestra).

3. Concordo com a compra do Reader's Digest. Nunca peguei em nenhum, mas aconselho vivamente a compra e a leitura.

Espero tê-lo ajudado com o meu comentário - quanto mais não seja espero ter quebrado um pouco a monotonia do seu quotidiano (que aliás se denota em todas as suas frases).
Não me identificarei com assinatura, pois penso que o meu estilo de escrita e a inteligência demonstrada no meu texto rapidamente denunciam o meu nome, a minha identidade, o meu percurso e o meu Destino.

Aguardando novos textos Seus e de Outros, despeço-me com um ponto final.

Manolito Gafotas disse...

Paizinho???

Anónimo disse...

"Paizinho" o caraças! O que tu queres é o busto de Napoleão...

P.s.: Não se deixe enganar pela falácia deste comentário, pois não é Pé de Milho quem lhe escreve.

Anónimo disse...

AHAHAHAH gostei dessa anónimo!
Ó coisinho, coisinho, não escreves mais um postzinho????

Lioness disse...

EStá fantástico, Conde Monte-a-Nelas :) Partilho da tua dor! Em cada colóquio ou conferência há alguém que se sai com essa expressão ou outra muito semelhante. É impressionante!